fbpx

 

Não querer ser mãe (e ser mãe sem parir)

Ela não lembrava bem como, por que ou quando começou a pensar assim, mas desde muito cedo sabia que não queria ter filhos.

Namorados e até um noivo passaram pela vida dela e, em algum momento, invariavelmente mencionavam quantos filhos desejavam ter. Um exagerou: “quero ter 5”! Em seu íntimo, sabia que não seria com ela que realizariam o desejo de serem pais e, por saber, nada dizia.

Lá pelos 25 anos, viajou de férias para o Rio. Em um dia de sol e calor, conheceu um rapaz na praia e com ele engatou um romance que tinha vocação para durar apenas o tempo das férias.

Foram 14 dias, contados e marcados por ele na agenda — de papel — dela. No começo ela desdenhou. Achou que ele era jovem demais, tinha cara de ter carro esportivo e pai rico, e desse combo ela queria distância. Queria conhecer homens maduros.

Muito antes de Cazuza, ela já almejava um amor inventado. Uma vida inventada. Não gostava de prescrições ou de pré-inscrições. Tentava viver do seu jeito, embora sabendo, de algum modo e em algum lugar dela, que ninguém usufrui dessa liberdade: nascemos e vivemos sob o signo da predeterminação. “O desejo do homem é o desejo do Outro”, nos diz Lacan no Seminário 10. De próprio nem o nosso nome, porque a escolha dele nos antecede.

Após o desdém inicial, ainda no primeiro dia do encontro prestou mais atenção nele quando começaram a conversar. Era inteligente, tinha uma cultura ampla, falava sobre livros, filmes, músicas.

Tinha senso de humor, e isso importa sempre. No entanto, os olhos dela brilharam, mesmo, foi quando ele contou que era separado, pai de duas meninas e, apesar de aparentar menos, tinha 33 anos.

Uma semana juntos no Rio, sem pensar no futuro, ele quis que ela conhecesse as filhas. Duas meninas lindas, de 2 e 4 anos.

Ela não sabia, mas o inconsciente dela captou: aquele rapaz inteligente e divertido estava desde o primeiro encontro segurando as duas meninas pela mão. E havia nessa imagem metafórica um apelo não simbolizado: “São minhas filhas, quero cuidar delas, como eu faço?”

Essa metáfora ela só conseguiu ler muito depois, mais precisamente no consultório do analista que ela começou a frequentar um ano após mudar para o Rio.

Como diz Ana Suy, talvez porque “amar seja como se perder de si mesmo e esquecer de propósito o caminho de volta”, ela se perdeu dela mesma.

Mas não esqueceu o caminho de volta e no aeroporto, na hora da partida, o rapaz puxou-a para um canto e, em tom grave e expressão séria, disse que não queria namorar a distância. Pediu que ela pensasse e em 15 dias dissesse se queria voltar para o Rio e viver com ele para sempre.

Se ela tivesse lido a metáfora escrita no corpo daquele rapaz, teria recuado diante dessa proposta?

Continua no próximo episódio (clique para ver)