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O nome da mãe | Quem nasce para Terezinha nunca chega a Tereza?

 

  • Relato apresentado em 18 de novembro de 2021 no Caderno Clínico da Escola Lacaniana de Psicanálise-RJ, projeto  coordenado por Abílio Ribeiro Alves

 

Chamo-me Pedro. Não por acaso.
A vida inteira a mesma frase ecoou-me nos ouvidos: “Se você tiver um pouco de dinheiro, invista em pedra.” Foi sobre essa pedra que minha mãe construiu sua igreja. No que não se enganava: com pedra estava de fato fazendo o melhor investimento possível em relação a quanto de sua falta podia ser preenchida por seu desejo de ter Pedro.

No início eu também amava Pedro. Até que o excesso de amor que o sufocava me obrigou, por instinto de equilíbrio, a antipatizar subitamente com ele, tornando-o tão pesado para mim como pedra pendurada no pescoço. (…).
Trecho do capítulo VI do livro Uma Temporada com Lacan, de Pierre Rey

O livro é o relato do percurso de análise que seu autor empreendeu com Lacan durante 10 anos. No capítulo intitulado Maiêutica, ele discorre sobre o quanto “nos determina o peso do nome que marca nosso lugar na ordem simbólica”. Nome que pode se tornar, como para ele, “tão pesado como pedra pendurada no pescoço”.

E um “pequeno” nome teria o mesmo efeito? Para o sujeito que carrega um nome no diminutivo, este também pode se constituir em pesado fardo, tal como “uma pedra pendurada no pescoço”?

Uma pedra, da qual não se escapa mais até o fim de uma vida?

Ela deveria receber um nome simples: Marilena (neste relato, um nome fictício). Assim teriam combinado seus pais antes que ela nascesse. Depois de conhecer aquela que era a terceira ou quarta filha — um bebê que quase sucumbiu ao nascer, enforcado no cordão umbilical — o pai foi à casa da sua mãe anunciar o nascimento.

Lá teria surgido a ideia de homenagear aquela que pariu a moribunda, dando um nome composto ao bebê.

“Teria” surgido a ideia, porque essa história tem muitas versões, todas elas, como as publicações do jornal Sensacionalista, isentas de verdade.

Uma delas, a descrita acima, que é a história de um pai que vai à casa da própria mãe e, juntos, decidem homenagear aquela que havia acabado de parir. Segundo esta versão, logo após a visita à sua mãe, o pai teria ido ao cartório fazer o registro da recém-nascida.

Consta, ainda, que no dia seguinte o homem teria dado de presente à esposa, Tereza, a certidão de nascimento, com o nome da filha que registrara: Marilena Terezinha.

Só bem mais tarde a menina começou a descobrir o furo, a mentira, dessa história. Precisamente ao completar 18 anos, quando precisou da certidão de nascimento para fazer o documento de identidade. Tendo quatro irmãos, somente a sua certidão de nascimento havia sumido da caixa de documentos que a mãe guardava com zelo em um armário destinado à papelada da família.

Foi com a mãe ao cartório no centro da cidade para solicitar uma cópia e, assim, descobriu que havia sido registrada não pelo pai no dia em que nascera, mas exatamente dois meses depois do seu nascimento. Constava, ainda, que a mãe havia sido a declarante. Portanto, nada da história que ela conhecia era verdadeira.

Mas, afinal, qual é o problema de alguém se chamar Marilena Terezinha?

A psicanálise trabalha primordialmente com a escuta da palavra, e o nome próprio representa a percepção de si como ser único e como ser social.

Com o nome próprio dizemos sobre nossa identidade, nossa filiação e a nossa história de vida.

Para o sujeito na psicanálise, a escrita do nome próprio é da maior relevância. O escrito é o que faz liame entre os seres falantes e o coletivo.

Há sempre uma leitura do inconsciente que nos habita, há um ler-se que funda a verdade do sujeito. E, assim, esse nome próprio, abre essa espécie de verdade, a única que nos é acessível, eliminando a discordância do saber e do ser nomeado.
Emília Lobato, psicanalista

Desde muito cedo Marilena adotou o primeiro nome e rejeitou o segundo prenome. aquele que para ela representava uma pedra – diminuta, porém pesada: Terezinha.

Conta que ainda bem pequena avisou aos pais e irmãos que somente atenderia quando fosse chamada pelo primeiro nome, e repetia: “Meu nome é Marilena”.

Para provocá-la, volta e meia os irmãos a chamavam pelo nome composto, e ela jamais atendia.

Durante anos em análise, pouco conseguia dizer sobre aquela rejeição, ; apenas que não gostava do nome e que nunca conseguira aceitar.

Muito pequena mesmo, no Natal, um vizinho se vestiu de Papai Noel e foi às casas da vizinhança entregar os presentes. O ritual começou, o Papai Noel com sotaque estranho ia tirando um a um os presentes do saco e chamando as crianças. Ela lembra que na vez dela, ouviu Marrrilena Terrrezinha! e pensou que aquele nome não era dela…

Há inúmeras Teresinhas e Terezinhas, com z e com s, inclusive as santas.

E, Terezinha é até nome de santa, mas a realidade não é bem essa. Santa Teresinha do Menino Jesus se chamava Marie-Françoise-Thérèse Martin. Já Santa Teresa de Jesus não recebeu a alcunha no diminutivo de seu nome. Teresa de Ávila, nasceu Teresa Sánchez de Cepeda y Ahumada. Nenhuma delas era, de fato, Terezinha ou Teresinha.

Marilena conta que não renega a santidade das santas, mas lembra que não há Santa Catarininha, nem Santa Heleninha, nem São Jorginho! Nem esses nomes todos são usados no diminutivo como nome próprio, com registro em cartório.

Olá! meu nome é Leidinha, e sempre me sinto constrangida quando sou chamada ou apresentada a algum desconhecido, por ser no diminutivo. Gostaria de tirar o (nha). É possível?¬ – pergunta a moça pelo site de um advogado que dá orientações gratuitas pela internet.

Pois Marilena diz que mais do que constrangida, sente-se envergonhada, mesmo, com este nome, evitando tanto quanto possível que as pessoas descubram que ela o carrega. Inúmeras pessoas que convivem com ela há anos, a maioria, sequer imaginam que carrega essa pedra.

‒ Quando, por qualquer motivo, preciso declarar meu nome completo, falo no tom de voz mais baixo possível. Escrevê-lo inteiro somente se for obrigatório. Havendo qualquer possibilidade, Terezinha é suprimido ou, pelo menos, abreviado para um T. Na vida escolar, na universidade, consultórios médicos e laboratórios, levanto rapidamente e não olho para os lados quando sou chamada em voz alta pelo segundo prenome. Na escola, talvez mais pela surpresa, havia uma gargalhada geral quando meu nome era dito em voz alta na hora da chamada. Na universidade, fui ao departamento próprio pedir que tirassem o Terezinha da chamada. Fui orientada a falar com o diretor da faculdade, que concordou, desde que esse nome fosse registrado na lista de chamada com T. No entanto, no diploma universitário a pedra estava lá, completa.

O patronímico, o nosso sobrenome, é o nome recebido da genealogia, transmitido automaticamente do Outro. Dele se espera que ele indexe uma existência, um pertencimento, independentemente de qualquer qualidade.
Outra coisa é o prenome (o nosso nome próprio) que se acrescenta ao patronímico. Ele não é transmitido automaticamente, pois inscreve uma escolha, e por isto é sempre o estigma do desejo do Outro, um significado do Outro, que traz o rastro de seus sonhos e de suas expectativas.
Marcélia Côgo (psicanalista, membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória)

O prenome ou nome próprio é uma manifestação inconsciente do que os pais esperam dos filhos, seus sonhos e ideais projetados nesse filho. É certo que a história que foi contada à analisanda não era a verdadeira e, além disso, somente foi relatada após a sua manifestação de que não atenderia mais ao ser chamada por seu nome composto.

O que pode uma criança tão pequena ler desse desejo, dessas expectativas ‒ em especial da mãe ‒, lançadas sobre ela, para tão cedo rejeitar?

Bia, o nome que lhe demos será sempre a cicatriz primeira do teu destino.
Caderno de um Ausente, de João Anzanello Carrascoza

A mãe se chama Tereza, uma mulher, segundo as palavras de Marilena, forte e corajosa. Sobreviveu à morte de boa parte de sua família de origem e dizia que não podia mais perder ninguém. Assim, cuidou dos filhos para que voassem, mas não para tão longe que os seus olhos não pudessem alcançar. Foi também uma afetuosa e dedicada esposa e companheira para o marido, pai de Marilena.

Sem palavras, mas por manifestações inconscientes – inclusive no ato de nomear –, uma mãe transmite a cada um dos filhos o que espera deles. É como se a mãe do Pedro – Pierre Rey – dissesse “Pedro tu és a minha pedra e sobre ela erguerei a minha igreja”. Pedro sucumbiu ao peso dessa pedra, e no livro ele relata seu percurso de análise com Lacan e como tomou posse do seu próprio nome, fazendo de Pedro a pedra com que escreveria a sua própria história.

O nome próprio inscreve uma escolha, é sempre uma insígnia de um outro (…)
Nome é marca aberta à leitura e está impresso na fala de qualquer sujeito (…)
Um nome, qualquer nome, é sempre um osso, uma marca. A marca do Outro no sujeito (…)
É preciso renomear-se através da própria obra. Faze do nome próprio um próprio nome (…)
Maria Teresa Palazzo Nazar, médica e psicanalista

Nesses anos de trabalho de análise, foi possível a Marilena simbolizar algo tão subjetivo como um nome. Leu no desejo da mãe que ela era a sua miniatura, a menina condenada a ser um diminutivo dessa mãe.

“Não quero ser uma Terezinha, alguém condenada a ser menor do que a minha própria mãe. Alguém que nunca poderá ser como aquela que a gerou, porque será sempre o diminutivo dela”, diz Marilena, e continua;

‒ Não sou uma pequena Tereza, um arremedo, uma miniatura daquela que deu origem ao nome. Não quero ser o resto de uma mãe. Uma criança, a perene menininha da mamãe, alguém condenada a não crescer, um não-ser condenado a não se fazer sujeito ‒, diz a protagonista da nossa história clínica.
‒ Também não desejo ser maior do que a minha mãe, mas apenas uma mulher adulta, ‘inteira’. Não uma continuação ou complemento dela, mas uma mulher que se orgulha da sua mãe e vê nela algo da mulher que ela própria quer se tornar. Tenho trabalhado muito esses anos todos para me tornar a mulher que eu desejo ser, e essa mulher não comporta carregar um nome no diminutivo.

Depois de alguns anos de análise, após conseguir articular o que a incomodava no nome, Marilena decidiu requerer na Justiça a mudança do nome. Surpreendentemente ou não, ela quis tirar o diminutivo, e não o nome todo. Vencida a ação, hoje seu nome é Marilena Tereza, filha de Tereza, que carrega, em seu próprio nome, o daquela que lhe deu a vida, mas que pode, como ela, ser uma mulher adulta, “Não uma filhotinha de Tereza, frágil, quase sem respirar, quase sem vida, enforcada no laço de sangue e carne que a une à mãe”.

E quis seu nome Tereza, grafado assim mesmo com “z”, ‘como o nome da minha mãe’.

(…) fazemos os nossos filhos e lhes damos nomes que podem amar ou execrar. Não escolhemos nossos pais que, por sua vez, nos nomeiam disso ou daquilo porque sem um nome não nos tornamos parte de alguma coisa. Ademais, podemos mudar nossos nomes. (…)
Roberto DaMatta, antropólogo | O Globo | 20/05/2015

 

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